A Comunicação na História do Brasil
Pesquisador de história da comunicação, o professor Pedro Aguiar, da Universidade Federal Fluminense (UFF), alerta que a evolução tecnológica pode ser significada mais pelo acréscimo do que pela substituição. “Não é porque um meio começa que o outro some. Assim ocorreu com o rádio depois do surgimento da televisão”, exemplifica o pesquisador.
O professor Pedro Aguiar esclarece que historicamente as comunicações relacionavam-se aos caminhos que as informações percorriam geograficamente. “Até o telégrafo elétrico, comunicação era sinônimo de transporte. Para se comunicar a distância, era necessário que a pessoa levasse consigo ‘a coisa’ em si. No jornal ou uma tabuleta de pedra, o que fosse, seria necessário transportar. Até ter a separação entre meio e mensagem, isso era a comunicação”, afirma.
Para a professora Thaïs Mendonça Jorge, pesquisadora em história da comunicação na Universidade de Brasília (UnB), uma questão que precisa ser observada é que a notícia se acelerou com o avanço dos meios de transporte. Outra ruptura do que significa a comunicação ocorreu entre o final do século 20 e início dos anos 2000, da fronteira do analógico para o digital, do linear, para o não-linear.
Pesquisadores divergem da ideia de que a carta de Pero Vaz de Caminha (escrita entre 26 de abril e 2 de maio de 1500, mas tornada pública somente em 1817) seria o marco inicial das comunicações no Brasil. “Não considero como marco inicial porque, antes, havia comunicação. Não podemos ignorar o potencial comunicativo no período pré-cabralino, ainda que os povos indígenas fossem ágrafos”. Ele explica que os moradores do país antes da chegada dos europeus e colonização encontraram suas próprias formas de interação.
O pesquisador aponta que as comunidades tinham os pajés, por exemplo, que eram comunicadores ativos entre as aldeias. Ele entende que a comunicação oral entre grupos continua fundamental em muitas comunidades ainda hoje, principalmente nas cidades menores. Além disso, os registros rupestres e de sinalizações foram marcas da comunicação antes da chegada dos portugueses.
Para a professora Thaïs de Mendonça Jorge, é necessário considerar que as cartas de Américo Vespúcio, no início do século 16, sobre o Novo Mundo, ficaram conhecidas em 1504, o que seria a primeira publicação relacionada ao Brasil.
No período colonial, as cartas entre Brasil e Portugal, que viajavam nos navios, traziam e levavam as “novidades” que demoravam mais de três meses, como está registrada nas agitações dos acontecimentos pré e pós independência.
Impressos
Uma grande novidade do início do século 19 foi a publicação de dois jornais em 1808: o Correio Braziliense (impresso em Londres em junho daquele ano) e a Gazeta do Rio de Janeiro (o primeiro publicado no Brasil, em 10 de setembro).
Thais de Mendonça Jorge explica que a Gazeta do Rio de Janeiro fazia as funções de um diário oficial, passava obrigatoriamente pela aprovação do governo, enquanto que o Correio era destinado ao “grande público”.
Mas como a maioria da população era analfabeta e os veículos, caros, difíceis de encontrar e em linguagem não-popular, tratou-se de um veículo para poucos. As revistas também surgiram nesse início de século 19. “Mesmo quando se tornou industrializada, a imprensa nunca foi de massas como rádio e TV”, afirmou Pedro Aguiar.
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Novos parâmetros
O primeiro veículo a promover o tempo real foi o telégrafo, veículo que chegou ao Brasil em 1857. “Em pouco tempo, o telégrafo foi um veículo que se espalhou pelo mundo. O rádio começou como radiotelégrafo. Nosso pioneiro, Landel de Moura, também fazia experiência por sinais. A TV é uma filha entre o rádio e o teatro. A linguagem de TV no Brasil recebeu muito mais influências do teatro do que dos cinemas. E os gêneros do rádio influenciaram decisivamente”, afirma o professor. Ele explica que o rádio continua, hoje, com a mesma função social, mas com ouvintes também pelo celular.
A professora Thaïs de Mendonça Jorge entende, por exemplo, que foi graças ao telégrafo, que houve uma organização para a prática do jornalismo. “As redações passaram a se estruturar”, afirma a pesquisadora.
Os telégrafos elétricos tiveram a primeira linha experimental em 1952, no Rio de Janeiro. “Era da casa do Imperador ao Comando do Exército. A invenção do aparelho foi em 1837 e chegou 15 anos depois no Brasil. O país não demorou para testar suas novas tecnologias”. Não demorou também para que o telefone fosse trazido. O cientista Alexander Graham Bell apresentou para Dom Pedro II, em 1876, o aparelho. “Meu Deus, isto fala!”, teria exclamado o governante brasileiro. O imperador fez questão de testar o aparelho do Rio de Janeiro.
Outro aparelho que surpreendeu, no início do século 20, foi o rádio, que chegou com voz no Recife, em 1919, uma cidade que teve importante papel na comunicação brasileira. A primeira transmissão oficial de rádio é de 7 de setembro de 1922. Em relação à TV, o Brasil foi o terceiro país a ter transmissão contínua, depois apenas dos Estados Unidos e México.
Confira como foi a primeira transmissão de rádio em programa da TV Brasil de 2012:
Mas, voltando ao século 19, os pesquisadores entendem que o telégrafo teve expansão estratégica durante a Guerra do Paraguai (1864 – 1870), com linhas do Rio de Janeiro até a fronteira Sul do país. “Quando acabou a guerra, as linhas subiram para o Norte. Em 1873, chegou a Belém”, explica Pedro Aguiar.
Em 1874, o litoral estava completamente conectado. Os caminhos de comunicação tiveram essa função de comunicação com o teatro de operações, mas também ao ativar demandas nacionais, como integração e comércio. “O governo implantou implantou uma norma de regulação que, em toda concessão de ferrovia, obrigava-se que a empresa deveria implantar redes de telégrafo”, sublinha o pesquisador.
O tempo real ganhou novo significado com a integração das plataformas pela internet. Primeiro, ganhou corpo no campo dos serviços e depois chegou à mídia. Os pesquisadores entendem que o Brasil ainda vai viver um processo de digitalização de tudo o que é analógico, inclusive no campo dos serviços, por algumas décadas. “Como o custo de produção nesse cenário é mais baixo, de fato a tecnologia se popularizou”.
Mas um desafio, segundo avaliam pesquisadores, sempre foi superar as desigualdades regionais e sociais, inclusive expostas durante a pandemia de covid-19. “As tecnologias espalharam-se pelas metrópoles, para o litoral e só depois no interior”. Os pesquisadores entrevistados explicam que, às vezes, porém, até dentro das próprias cidades há dificuldades de conexão entre bairros próximos. A internet, acompanhada de suas modernas possibilidades de expansão, viabiliza informação, estudo, trabalho e boas-novas desde o tempo em que só havia uma carta.
Espírito desbravador, polivalência e um olhar especial de proteção ao indígena. Essas são algumas características que a historiadora e professora Maria Gabriela Bernardino atribui ao Marechal Cândido Rondon (1865 – 1958). A partir de 1890, o militar-engenheiro chefiou uma comitiva formada por soldados e cientistas que tinham por missão conhecer e integrar áreas do interior do Brasil, o que incluía o Centro-Oeste e a Amazônia, por linhas telegráficas e também com a confecção de mapas de lugares pouco conhecidos.
Maria Gabriela, que é doutora em história das ciências e da saúde pela Fiocruz, pesquisa a trajetória do militar desde que ela estava na graduação. A professora explica que a contribuição dele e da Comissão que levou o seu nome, fizeram com que ele fosse reconhecido como Patrono das Comunicações. O dia 5 de maio, data do nascimento do militar, é reconhecido como o Dia das Comunicações. “Ele encontrou uma forma de unir o Brasil”, diz historiadora
“Ele ligou ‘Brasis’ dentro de um mesmo país”, afirma a professora. Para se ter uma ideia, até 1917, a Comissão Rondon havia construído 2.270 quilômetros de linhas telegráficas, instalado 28 estações e feito levantamento geográfico de cinquenta mil quilômetros de terras e de águas.
Rondon, nascido no Mato Grosso, tinha ascendência da etnia Bororo e reconhecia as dificuldades das pessoas da região tanto de se comunicar com o restante do país como de se locomover. “Ele tinha lugar de fala. Além disso, após a Guerra do Paraguai, o Brasil percebeu que havia muita dificuldade de ter informações sobre a região. Não conhecer o próprio território, naquele mundo bélico, era muito perigoso. Os mapas eram fundamentais”.
Em relação às linhas telegráficas, o legado de Rondon está presente em diferentes espaços. Cidades, por exemplo, formaram-se em volta dos postos telegráficos. “É um Brasil que passa a olhar para dentro de si mesmo e se descobrir”, afirma a professora. Rondon ajudou a demarcar terras indígenas com mapas e territórios sinalizados. “Ele lutou pelo Parque Indígena do Xingu, por exemplo” (LCF). –Agência Brasil