POLÍTICA

Sócio da Belcher admite que Ricardo Barros agendou reunião, mas nega favorecimento

O empresário Emanuel Catori, sócio da empresa Belcher, admitiu que participou de uma reunião no Ministério da Saúde agendada pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Catori confirmou que, no dia do encontro, 15 de abril, a Belcher já havia assinado um termo de confidencialidade com a farmacêutica chinesa CanSino para a venda da vacina Convidecia no Brasil. Mas ele negou que tenha negociado a venda desse imunizante com o ministro Marcelo Queiroga.
Questionado pelo relator da CPI da Pandemia, senador Renan Calheiros (MDB-AL), o empresário disse que na ocasião tentou vender ao governo federal o antiviral Favipiravir. Ele afirmou que não poderia ter negociado a venda da Convidecia nesse encontro porque ainda não havia recebido uma carta de autorização da CanSino. O documento só teria sido emitido quatro dias depois do encontro intermediado por Ricardo Barros.
— Eu tive apenas dois ou três minutos. Falei apenas do medicamento antiviral Favipiravir — disse Catori.
Calheiros, no entanto, contestou a declaração do empresário. Para o relator da CPI, há “uma contradição muito grande” no depoimento de Emanuel Catori. Segundo o relator, existe “um envolvimento muito sério” do líder do governo na Câmara na negociação de vacinas intermediadas pela Belcher.
— É a repetição do modus operandi na aquisição de vacinas pelo governo federal, que recusou contatos com a Pfizer e com o Butantan enquanto priorizou atravessadores como a Belcher, a Davati e Ricardo Barros. Enquanto brasileiros morriam e continuam a morrer. O senhor [Catori] tenta passar a ideia de que, no encontro com Ricardo Barros, não poderia ter tratado da questão, uma vez que a CanSino não havia credenciado a Belcher. Mas não é verdade. Já havia uma carta de confidencialidade — afirmou Renan.
O depoente admitiu que a Belcher contratou o advogado Flávio Pansieri para atuar junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Embora Pansieri tenha sido sócio de um genro de Ricardo Barros até março deste ano e o parlamentar paranaense seja “amigo de longa data” de um acionista da Belcher, Catori negou que Ricardo Barros tenha atuado como “facilitador político” para a compra da CanSino. Segundo Catori, a ligação entre Pansieri, Barros e Belcher “é mera coincidência”.
— O deputado Ricardo Barros não fez gestões com órgãos nesse sentido. Não há vínculo comercial ou societário direto ou indireto da Belcher ou seus sócios com o parlamentar. Ele não iria receber valores pelo sucesso da negociação da Convidecia. A Belcher não o procurou nas tratativas com vacinas. Participação zero. Em nenhum momento ele me ajudou em nada sobre a vacina — declarou Catori.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), lembrou que, um mês antes do encontro no Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro já havia sido alertado sobre o suposto envolvimento de Ricardo Barros em irregularidade na compra do imunizante indiano Covaxin. Aziz fez referência a uma expressão amazonense para se referir à desenvoltura do parlamentar paranaense na negociação de vacinas.
— Mesmo alertado o presidente, o deputado Ricardo Barros continua operando dentro do governo como se nada tivesse acontecido. Um cabra, quando tem essa coragem, na minha região é conhecido assim: “Esse aí tem coragem de mamar em onça”. Além de ser um tucunarezão, o deputado Ricardo Barros tem coragem de mamar em onça — disse Aziz.
Tráfico de influência
O senador Renan Calheiros perguntou por que a vacina da CanSino era 70% mais cara do que o imunizante da farmacêutica Janssen — considerando que ambas são aplicadas em dose única. Segundo o empresário, isso se deve ao modelo de importação contratado pelo Ministério da Saúde: enquanto a Janssen foi comprada pelo sistema CIF (Cost, Insuranse and Freight), em que frete e seguro são pagos pelos fornecedores, a Convidecia seria adquirida pelo sistema FOB (Free on Board), em que essas despesas estão embutidas no valor final.
— Isso envolve logística, envolve frete. Por precisar manter uma temperatura de dois a oito graus, é um frete extremamente caro. Por isso tem toda essa diferença de valores — afirmou o depoente.
Emanuel Catori prestou depoimento à CPI da Pandemia amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com a possibilidade de permanecer em silêncio sobre temas que o incriminassem, o empresário se recusou a responder, por exemplo, quanto a Belcher receberia de comissão pela venda de 60 milhões de doses do imunizante ao governo brasileiro. Ele também preferiu não responder sobre a operação Falso Negativo, que apura irregularidades na venda de testes rápidos para detecção do coronavírus no Distrito Federal.
Catori apresentou à CPI um cronograma com datas que envolvem a representação da CanSino pela Belcher. De acordo com o empresário, a farmacêutica chinesa estabeleceu uma carta de autorização para a empresa brasileira no dia 19 de abril. Em 27 de maio, a Belcher solicitou uma carta de intenção de compra junto ao Ministério da Saúde. O documento foi expedido pela pasta apenas uma semana depois, no dia 4 de junho. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) estranhou a rapidez do processo.
— A carta de intenção foi emitida em apenas oito dias. Por quê? A Pfizer levou vários meses, quase um ano. É muita rapidez. Um tratamento muito diferenciado em relação à empresa. Houve uma agilidade na emissão de carta de intenção, mesmo se tratando de uma vacina 77% mais cara do que outra de dose única. Foi tudo muito rápido. Houve agilidade para tudo — disse Eliziane.
O senador Humberto Costa (PT-PE) reforçou a suspeita de que a Belcher tenha sido privilegiada pelo deputado Ricardo Barros, que foi Ministro da Saúde entre 2016 e 2018 na gestão do presidente Michel Temer.
— Você [Emanuel Catori] vai dizer que não tem nada a ver, que caiu do céu. Que o Ministério da Saúde descobriu que sua empresa estava habilitada para isso. A CanSino, lá na China, ouviu dizer que tinha uma empresa lá em Maringá para ser representante no Brasil. É difícil a gente acreditar nessas coisas, que não teria havido algum tipo de ajuda e que isso não teria sido feito pelo senhor Ricardo Barros. Esse argumento não se sustenta. Houve aqui, sim, tráfico de influência e advocacia administrativa — declarou Humberto.
Hang e Wizard
O sócio da Belcher reconheceu que participou de encontro virtual com os empresários Luciano Hang e Carlos Wizard. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ambos teriam atuado para que houvesse a compra, pelo governo brasileiro, de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.
Emanuel Catori disse ter sido procurado pelos empresários entre fevereiro e março deste ano para intermediar a compra de doses da vacina CoronaVac, produzida pelo laboratório SinoVac. Segundo ele, o imunizante seria doado ao Sistema Único de Saúde (SUS). No dia 17 de março, Catori, Hang e Wizard participaram de uma live sobre o assunto. Mas o representante da Belcher negou que os empresários tenham participado da negociação do imunizante da CanSino.
— Aventou-se a possibilidade de aquisição de 9 milhões de doses prontas da CoronaVac. Essas doses seriam adquiridas e doadas sem fins comerciais. Após a vacinação dos grupos prioritários, 50% iriam para colaboradores das empresas envolvidas na ação. Não há qualquer relação da Convidecia com os empresários. Não houve interferência com a interface institucional realizada pela Belcher junto ao Ministério da Saúde sobre a Convidecia. Também não há relação societária formal ou informal entre os empresários e a Belcher ou qualquer de suas empresas — afirmou.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) disse que não é papel da CPI censurar a atuação dos empresários Luciano Hang e Carlos Wizard durante a pandemia de coronavírus. Para ele, Wizard atuou como “voluntário” no enfrentamento à covid-19.
— Não é papel desta Casa ser censuradora do papel de voluntários de alguns brasileiros. No caso de Carlos Wizard, de forma reiterada a CPI tenta atacar sua imagem, sua honra e sua atuação. Como cidadão brasileiro, em momentos difíceis da vida nacional ele se colocou como voluntário. Esta CPI, de maneira bastante covarde, procura atacar a honra desse brasileiro. Gastar esse tempo para difamar pessoas que procuram servir ao Brasil não é um bom serviço — disse Marcos Rogério.
A Belcher foi representante da CanSino entre 19 de abril e 10 de junho de 2021. Após a emissão da carta de intenção pelo Ministério da Saúde, a farmacêutica chinesa revogou unilateralmente as credenciais da Belcher alegando razões de compliance. Em 28 de junho, em razão do descredenciamento legal da empresa, a Anvisa encerrou o processo em que a Belcher pedia a autorização emergencial do imunizante.
O senador Jorginho Mello (PL-SC) lembrou que a Belcher não chegou a vender vacinas ao governo federal. Ele minimizou a relevância do caso para a investigação da CPI.
— É mais uma negociação que não aconteceu. É um barulhão danado — declarou ele.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) discorda. Para ela, a CPI conseguiu revelar que empresas privadas atuaram junto com servidores do Ministério da Saúde “para ganhar dinheiro”.
— É óbvio que tem que ter a participação de servidores públicos. Não tem como um processo desses ser tratado sem o conluio de servidores. Eles, sim, têm que estar aqui se explicando. Por que avançaram e deram uma carta à Belcher, concordando com o processo? Esse é um enredo em que primeiro negam a compra de vacinas e depois, quando veem a possibilidade de negócio, com ganância e volúpia, resolvem ganhar dinheiro à custa da dor e da morte de milhares de brasileiros. No banco dos réus, tem que estar o Ministério da Saúde — afirmou Simone.  Agência Senado

 

 

 

Redação

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