Rádio Nacional do Rio de Janeiro completa 85 anos
Relembre a época de ouro da emissora que marcou a história do rádio
Do alto do edifício A Noite, na Praça Mauá, no Rio de Janeiro, uma nova era teve início em 12 de setembro de 1936. À época da inauguração, com o nome de Sociedade Rádio Nacional, a emissora era semelhante a outras daqueles tempos. Mas tudo mudaria em 1940, após ser encampada pelo presidente Getúlio Vargas, que precisava de um veículo que fosse a voz oficial do governo. Da antiga capital brasileira para todo o território nacional, um projeto de identidade nacional por meio da radiodifusão tomava forma. A agora Rádio Nacional dava início à época de ouro desse veículo de comunicação no Brasil, com ênfase na música popular brasileira e na transmissão de uma imagem positiva para o país e o exterior.
Com a estatização, novos patrocinadores chegaram e uma programação com horários definidos para cada tipo de programa contribuíram para o sucesso da emissora. Sônia Virgínia Moreira, jornalista, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e uma das autoras do livro Rádio Nacional – o Brasil em Sintonia, considera que ocorreu uma profissionalização do elenco, com contratos de exclusividade. Outro destaque foram as ondas curtas, que faziam a programação chegar a todo o Brasil e ao exterior.
A vez da música brasileira
Na estreia da Rádio Nacional, em 1936, Luar do Sertão já soava nos aparelhos. Mas a música popular brasileira teve ainda mais destaque pelas mãos de Henrique Foreis Domingues, o Almirante. Ele estreou em 1938 o programa Curiosidades Musicais, que trazia conhecimento cultural ao ouvinte.
Conhecido como “a patente mais alta do rádio”, ele apresentou também o programa Caixa de Perguntas, com um formato muito conhecido hoje pelos telespectadores: quiz em auditórios.
“Quando começou a desenvolver a sua programação, não teve para mais ninguém”, afirma Osmar Frazão, ex-diretor da emissora na década de 90 e apresentador do Histórias do Frazão, que todo domingo de manhã relembra na Rádio Nacional do Rio de Janeiro os cantores do período áureo. Neste dia 12, aniversário de 85 anos da emissora, ele fará uma edição especial comemorativa, relembrando os artistas que passaram pelo auditório da Praça Mauá.
E foram muitos artistas! O palco da Nacional recebeu talentos como Luiz Gonzaga, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Silvio Caldas, Francisco Alves, Linda e Dircinha Batista, Ellen de Lima, Nora Ney, Adelaide Chiozzo, Ademilde Fonseca, Albertinho Fortuna, Heleninha Costa, Vera Lúcia, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Elizeth Cardoso, o Garoto, Emilinha Borba e Marlene, dentre outros.
Inaugurado em 1942, o auditório do Edifício A Noite recebeu programas que popularizaram o gênero, como os de Paulo Gracindo, Manoel Barcelos e César de Alencar. Este último ficava quatro horas no ar aos sábados – das 15h às 19h -, com filas para participar que começavam às 6h. “Frequentar o auditório da Nacional era um ato social como outro qualquer”, relembra Frazão.
Em uma época em que a TV ainda não chegara, ir ao auditório era a oportunidade de conhecer e ver ao vivo as vozes que invadiam as residências. Eram quase 500 lugares sentados e mais outros em pé, que vibravam com novos talentos que surgiam. A música popular brasileira era o grande destaque, com baião, marchinhas e outros gêneros.
Para acompanhar esses cantores, o auditório reunia orquestras, com regências de maestros como Radamés e Alexandre Gnattali e Ercole Varetto. “Esses nomes todos davam à Nacional a musicalidade que o Brasil merecia”, reforça Frazão. Além de acompanhar os artistas, eram ouvidos nas propagandas de produtos na rádio, por meio da melodia dos jingles.
Dos palcos para o coração do público
E é dentro dos programas de auditório que surgem dois dos maiores fã-clubes de artistas da Nacional: os de Emilinha Borba e Marlene, duas das rainhas do rádio. A primeira a ganhar o título foi Linda Batista, que reinou por 11 anos seguidos, desde 1937. Em 1948, passou a coroa para a irmã Dircinha.
A edição de 1949 deu o que falar. Com o objetivo de arrecadar fundos para o hospital dos radialistas, a disputa foi acirrada. De um lado Emilinha, que já fazia um imenso sucesso no rádio. Do outro Marlene, que começava a despontar na carreira. Para votar na preferida, era preciso comprar os votos. E as cantoras contavam ainda com a ajuda dos patrocinadores. Naquele ano, Marlene levou a melhor e foi coroada. A vez de Emilinha chegou em 1953.
Mas a disputa entre as duas torcidas continuou. A historiadora
Lia Calabre conta que os fãs eram comparáveis hoje às torcidas organizadas de time de futebol. “Eles faziam festa, mandavam presentes, se organizavam em caravanas”, afirma.
Emilinha era uma das estrelas do programa de César de Alencar. Já Marlene era do programa de Manoel Barcelos. “Ter programas com as rainhas significava que a rádio tinha uma capacidade e uma potência de atração de público muito grande”, explica Lia.
Emilinha participou ainda de A Felicidade Bate à Sua Porta. Com apresentação de Yara Salles e Heber de Bôscoli, o programa tinha duas partes: uma no auditório da Nacional, onde era sorteado o endereço de um ouvinte. E a segunda era a ida à casa do sorteado, em busca dos produtos do patrocinador e o direito a assistir a um show da cantora.
No auge da Nacional, publicações especializadas, como a Revista do Rádio e a Radiolândia, mostravam a vida do elenco da emissora. “Tinham o papel fundamental de aproximar o fã do seu ídolo”, acrescenta Lia.
A jornalista Sônia Virgínia reforça que essas publicações eram onde os artistas também eram vistos. Ela aponta para a forma como alguns eram representados. Emilinha, a estrela da casa, era vista por um ângulo mais conservador em relação à Marlene, por exemplo.
Radionovelas, séries e humorísticos
Outra grande paixão dos brasileiros surgiu com as radionovelas da Nacional. A primeira delas foi Em Busca da Felicidade, lançada em junho de 1941. A história, adaptada por Gilberto Martins, do texto original do cubano Leandro Blanco, alcançou excelentes índices de audiência, num público que se tornaria o principal para esse gênero: as donas de casa.
Ainda criança na época, Frazão recorda que as mulheres sintonizavam na Nacional durante os episódios, transmitidos no horário diurno, uma inovação para a época. “Você andava na rua e ouvia os capítulos das novelas da Nacional”, lembra.
A emissora passou a produzir inúmeras radionovelas – como a famosa Direito de Nascer – em vários horários da programação. Não foram apenas adaptações de textos estrangeiros, mas o começo de uma leva de produções feitas por autores brasileiros. O sucesso das tramas ocorria devido à identificação do público com os personagens, segundo Sônia Virgínia.
A Nacional tinha uma excelência de qualidade em radionovelas. Ensaios, treinos de efeito, grande elenco, incluindo atores mirins. Além das novelas, também produziu seriados marcantes – O Sombra, Jerônimo, As Aventuras do Anjo, Teatro de Mistério – e humorísticos – Balança, mas não Cai, PRK-30 -, a maioria transmitidos ao vivo, com a ajuda dos efeitos sonoros.
Repórter Esso e narração esportiva
O jornalismo se transformou na Nacional com o Repórter Esso. A “testemunha ocular da história” completou 80 anos no último dia 28 de agosto, e transmitiu notícias que marcaram época, como o fim da Segunda Guerra Mundial e o suicídio de Getúlio Vargas. Heron Domingues foi o apresentador de maior destaque.
O Repórter Esso primava pela pontualidade e capacidade de síntese. Era o primeiro a dar as últimas e, mesmo que não fosse, as pessoas só acreditavam quando ele falava, como no anúncio do fim da guerra em 1945. “Cria a ideia de jornalismo verdade”, explica Lia.
O modelo de jornalismo radiofônico anterior, de leitura de matérias dos jornais, é modificado. A maneira como o Repórter Esso dava a notícia tinha urgência, força e ênfase em determinadas palavras, completa Sônia. Quando foi criado, era feito por uma agência de publicidade e fazia parte de um projeto político norte-americano, patrocinado pela empresa Standard Oil, de boa vizinhança e propaganda.
O esporte também começou a despontar nos primeiros anos da Nacional. A emissora lançou, na transmissão de jogos de futebol, a dupla narração, com dois locutores, cada um informando o que via de um lado do gramado. Uma das transmissões históricas foi a da final da Copa do Mundo de 1950, com Antônio Cordeiro e Jorge Curi.
Outros esportes também faziam parte da programação, como relembra Mariana Nazareth, sobre os Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952.
Chegada da TV
A televisão no Brasil, que teve início em 18 de setembro de 1950, fez com que o elenco da Nacional migrasse aos poucos para as telas. Com salários melhores e a oportunidade de serem vistos pelo público direto do conforto do lar, os artistas viram no novo meio de comunicação um caminho a ser seguido.
A televisão não levou apenas os artistas. Autores como Dias Gomes e Janete Clair continuaram o sucesso que tinham nas ondas do rádio na telinha. Programas humorísticos, como o famoso Balança, mas não Cai, estrelado por atores como Paulo Gracindo e Brandão Filho, se adaptaram ainda mais à programação televisiva.
A promessa de uma TV da Nacional se arrastou durante anos. Como atraía muitos patrocinadores, Assis Chateaubriand, dono do grupo Diários Associados, pressionou para que a emissora não chegasse ao novo meio de comunicação.
Em 1964, o Ato Institucional número 1 (AI1) cassa os direitos dos principais radialistas, que são levados a inquéritos e afastados da Nacional, principalmente os que eram ligados ao Sindicato dos Radialistas, o que esvaziou ainda mais a Nacional.
Os patrocinadores migram para a TV e, assim, a Nacional perde recursos e potência. Além disso, enfrenta a chegada da FM.
Novos tempos
Com a chegada da TV e a migração de boa parte do elenco da Nacional, a emissora teve que se adequar aos novos tempos e público, sem deixar de lado a música e o jornalismo. As produções de radionovelas, estrelas da Nacional, perderam força com a saída dos atores.
Nas décadas seguintes, uma renovação tomou conta da grade da Nacional. Mas a aposta na descoberta de novos talentos continuou. Rubem Confete relata que, ao ser contratado em 1980, apresentou ao lado de Afrânio Rodrigues o programa Rio de toda Gente. Confete levou para os estúdios da Praça Mauá passistas e músicos. “Foi um sucesso”, relembra.
Os ouvintes já não são os mesmos, mas o carinho continua. Confete conta que é cumprimentado nas ruas por pessoas que não conhece e reforça que é preciso ter responsabilidade e respeito por quem acompanha a emissora.
Frazão reforça que a emissora é a rainha da radiofonia brasileira. “Não existe quem nunca ouviu falar da Nacional. A história do rádio é a história da Rádio Nacional“, acrescenta.
O famoso auditório chegou a voltar no início dos anos 2000, mas sem a força de antes. Em 2012, a emissora saiu da Praça Mauá e está até hoje na Lapa.
A Nacional atualmente tem na grade do Rio atrações como Musishow, Ponto do Samba, Revista Rio, Sintonia Nacional, Histórias do Frazão, além dos programas em rede, como No Mundo da Bola, Bate Bola Nacional e Tarde Nacional. Neste ano, passou a operar na 87,1 FM.
Resgate da memória da Nacional
Relembrar a magia da época de ouro da Nacional, ver o cenário onde eram gravadas as radionovelas, o microfone que embalou vários sucessos. Essa é a ideia do Museu da Rádio Nacional, que faz um resgate da memória da emissora, com fotos, prêmios e até mesmo a cabine telefônica que ficava na sala da direção da Nacional, com linha direta para o Palácio do Catete.
Agência Brasil Produção: Simone Magalhães
Pesquisa: Luiz Antônio Albuquerque – Acervo EBC