PARANÁ

Os noventa anos do “Vitamina”

Eloi Zanetti
Com a licença da revista Seleções quero registrar aqui o meu tipo inesquecível preferido: o cidadão Henrique Paulo Schmidlin, mais conhecido por Vitamina. Um carismático aventureiro que circula transversalmente por todas as tribos, classes sociais, faixas etárias e grupos de interesse. Muito antes de a palavra transversal começar a ser utilizada, o Vitamina já era transversal. Podemos encontrá-lo nos lugares mais inusitados, dos coquetéis e jantares elegantes a uma festa ao redor de boas pizzas, vinhos e conversas sobre viagens de moto pelo mundo. Vitamina vai para Usuhaia ou Atacama como se fosse a Ponta Grossa – um pulinho. É comum encontrá-lo, sozinho, em trilhas pouco conhecidas na Serra do Mar ou vê-lo discorrer com desenvoltura sobre temas que domina com a precisão de um historiador refinado, como o tropeirismo ou os caminhos pré-colombianos do Itupava e Peabiru.
Passam os anos e ele não muda. É sempre a mesma figura. Até parece que nasceu do jeito que é hoje: loiro, magro e ágil, muito ágil. Em caminhadas, deixa os mais jovens para trás, resfolegando, assustados com a sua ligeireza. Já aconteceu comigo, fiquei horas atrás dele numa caminhada no Marumbi. E, muito antes de os assuntos da vida saudável entrarem na moda, ele já estava na moda, daí seu apelido – Vitamina. É que ele levava cenouras e frutas como lanche, na época da escola. Anterior à invenção do trekking, ele já percorria os lugares mais exóticos do Brasil, a pé. Também foi precursor do movimento ambientalista ao alertar sobre os perigos da devastação da sua querida Serra do Mar. E pasmem, foi instrutor de mergulho no corpo de bombeiros, tão logo o Jacques Costeau inventou o cilindro de imersão. Como não conta a idade, acredito que tenha nascido “há dez mil anos atrás e não tenha nada neste mundo que ele não saiba demais.” Com certeza foi o personagem que inspirou Raul Seixas.
O Vita, para os mais íntimos, já percorreu a América Latina de todas as formas, jeitos, quadrantes e em todos os tipos de veículos. Não existe lugar onde ele não tenha ido. Rios, praias desertas e picos inacessíveis para ele não são nada. É só colocar o pé na estrada; preguiça não faz parte do seu dicionário. Quando não tem o que fazer, o que é raro, pega um ônibus qualquer, vai até o ponto final e volta caminhando; leva um cantil e um bordão para espantar os cachorros. O Vita só não foi à Lua porque os americanos não deixaram. Esses dias ouvi de um jovem: “Pô! professor, conheci um cara superlegal – um tal de Vitamina. Eu nunca tinha ouvido falar dele. Mas ele tem cada história. O cara é massa” – É natural que o jovem não o conhecesse, pois é paulista. Quem é curitibano conhece o Vitamina há séculos. Acho que foi ele quem guiou o Cabeza de Vaca nas suas expedições pelos Campos Gerais e que indicou ao cacique Tindiquera o local exato para fincar a vara onde seria construída a nossa cidade.
O Vita é um mestre contador de histórias. Em pouco tempo consegue encantar os ouvintes, colocá-los à vontade e com desejo de ouvir mais e mais sobre os seus casos. Todos verídicos, por mais inverossímeis que possam parecer. Uma conversa com o Vitamina é uma prosa rica, de alto astral e com boas risadas. Como os bons contadores de causos, ele sabe falar das suas próprias trapalhadas com a mais fina elegância.
A primeira vez que o vi, foi numa escalada ao Pico do Marumbi, em 1963. Estávamos parados na beira do rio, descansando antes de cumprir mais uma etapa, quando um barulho no mato nos chamou a atenção e ele saiu de trás de uma pedra, sujo de limo e feliz da vida. Fui apresentado e desde então acompanho a vida deste cidadão curitibano com os pés no mundo. No nosso mundo.

 

Redação

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