MEMÓRIA BRASILEIRA

No Império, senadores tinham mandato até o fim da vida

Das várias diferenças que existem entre o Senado brasileiro de hoje e o dos tempos do Império, a mais visível e marcante é a duração do mandato. Atualmente, cada senador é eleito para atuar por oito anos. No Senado imperial, o político tinha o posto garantido até a morte.

A criação do Senado na letra da lei completa neste mês 200 anos. A determinação constou da primeira Constituição da história do Brasil, outorgada pelo imperador D. Pedro I em 25 de março de 1824. Esse dispositivo constitucional saiu do papel dois anos depois, quando os trabalhos legislativos de fato começaram.

O que a Constituição de 1824 estabeleceu foi que o Brasil teria um Parlamento e ele seria dividido em dois: Câmara dos Deputados e Senado — estrutura básica que se mantém até hoje. Enquanto o mandato dos deputados durava quatro anos, o dos senadores era vitalício.

Por essa razão, era comum que os políticos passassem décadas no Senado. O Marquês de Muritiba (BA), por exemplo, foi senador por 38 anos. O seu tempo no Senado só não foi maior porque ele e todos os demais senadores do Império foram derrubados em 1889 pela República recém-instalada, que também aboliu o caráter vitalício da instituição.

Documentos da época do Império mantidos hoje sob a guarda do Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que a vitaliciedade dos senadores era controversa e, durante as seis décadas em que vigorou, foi alvo constante de amores e ódios.

Os apoiadores do mandato vitalício argumentavam que ele era necessário para garantir a estabilidade do Brasil.

O senador Saturnino (MT) discursou no início dos anos 1830:

— Eu estou convencido de que a principal utilidade que resulta de ser o Senado vitalício consiste na permanência de suas opiniões, das quais nasce a estabilidade das instituições, sem a qual não pode haver governo estável e sólido.

Ele acrescentou:

— A vitaliciedade torna o Senado um corpo conservador, que esteja fora dessas opiniões variáveis do dia a dia e que, mesmo tendo tido tempo de comparar essas diversas opiniões variáveis, possa discernir maduramente e fora do turbilhão das paixões que essas novidades criam.

Dessa forma, o Senado moderado seria um freio e contrapeso à efervescência da Câmara. Enquanto os deputados se inclinariam a aprovar mudanças rápidas e até radicais no Brasil, pois sempre existiam eleitos chegando à Câmara com ideias novas, os senadores buscariam impedir rupturas ou pelo menos amortecer as reviravoltas, para que as mudanças ocorressem de forma gradual, sem solapar as instituições e o próprio Império.

É por uma razão assemelhada que hoje os senadores, diferentemente dos deputados federais, têm mandato de oito anos e a renovação a cada eleição não é da instituição inteira. Numa eleição, renovam-se dois terços dos senadores. Na eleição seguinte, quatro anos depois, renova-se o terço restante.

Ainda na década de 1830, o senador Marquês de Caravelas (BA) lembrou que existiam movimentos para acabar com o Poder Moderador, que era o quarto Poder e cabia ao monarca, e ao mesmo tempo tornar o Senado temporário, tal qual a Câmara. Para ele, isso seria um erro:

— Ora, senhores, se tais princípios passam, quem governa o Brasil? A Câmara dos Deputados. Que elemento é esse? O democrático. Que governo teremos? O oligárquico. O que se segue dele? A anarquia. Atrás da anarquia, o que vem? O despotismo, porque, depois que os povos veem correr rios de sangue, procuram um homem que os livre do estado de desgraça e que os dirija, e este, aproveitando-se da ocasião, os governa despoticamente, como fez Napoleão.

Na primeira metade do século 19, o adjetivo “democrático” tinha conotação negativa. Remetia, em geral, aos desejos revolucionários e desordeiros do povo.

Outro argumento favorável à vitaliciedade, segundo os papéis históricos do Arquivo do Senado, era que ela garantia independência aos senadores.

Como os senadores se submetiam ao voto popular uma única vez e não precisavam se candidatar à reeleição, eles não tinham que agradar aos eleitores e não ficavam reféns das exigências populares.

A independência dos senadores seria também em relação ao governo. Já que nem mesmo o imperador podia retirá-los do Senado, eles não ficavam obrigados a ceder aos eventuais caprichos do monarca.

— Sem nenhum interesse de lisonjear o povo e o governo, os senadores consultarão sempre o maior bem e serão unicamente impelidos pela felicidade geral — resumiu o Marquês de Caravelas.

Num debate com os colegas, o senador Costa Ferreira (MA) ficou irritado quando foi acusado de “lisonjear o povo”. Ele reagiu:

— Um senador vitalício lisonjear o povo? Pode ser que alguém queira lisonjear o poder, porque assim pode obter favores. Porém o povo? O que pode pretender um senador do povo? É por esse lado que vêm males à nação. Quanto a mim, posso afoitamente dizer que nunca bajulei nem o povo, nem o poder, e que sempre disse a verdade como entendia.

O senador Visconde de Cairu (BA) concordou que os senadores não eram submissos aos desejos populares. Para ilustrar a independência, ele citou a Lei Feijó, aprovada pelo Parlamento em 1831, que proibiu a importação de escravizados africanos:

— Clama-se e declama-se sem cessar que a opinião pública reclama reformas da Constituição, mas a mesma mal intitulada opinião pública é a que antes bradava que se perdia o Brasil sem a contínua importação da escravatura da África, com que se tentou transformar a Terra da Santa Cruz [Brasil] em Etiópia. Honra do Senado é no ano passado opor-se a tão espúria opinião pública e organizar a lei rigorosa contra os traficantes de sangue humano. É espetáculo glorioso o ver-se em certas épocas poucos homens oporem-se a milhões.

A Lei Feijó, contudo, acabaria sendo descumprida e ganharia a alcunha de “lei para inglês ver”. O tráfico de escravizados só foi de fato abolido duas décadas mais tarde.

O argumento da vitaliciedade como garantia da independência do Senado ganhava ainda mais força quando se lembrava que a Câmara podia ser dissolvida pelo imperador a qualquer momento, com a convocação de nova eleição. Isso significa que, na prática, o mandato dos deputados nem sempre chegava aos quatro anos.

O sistema de governo no Segundo Reinado foi parlamentarista, e o primeiro-ministro, fosse ele do Partido Conservador, fosse do Partido Liberal, só conseguia governar se contasse com a maioria da Câmara. Quando isso não ocorria e faltava governabilidade, a solução era dissolver a Câmara e recomeçar a partida política do zero, com novos deputados e novo primeiro-ministro.

Enquanto a permanência da Câmara era incerta, a do Senado estava sempre garantida.

Detalhe de “Juramento Constitucional da Princesa Isabel” pintura de Francisco Tirone, 1860. A obra retrata a Princesa Isabel, então com 14 anos, prestando juramente à Constituição do Império, em 29 de julho de 1860, dia do seu aniversário. Acervo do Museu Histórico Nacional.
Detalhe da pintura Juramento Constitucional da Princesa Isabel, de Francisco Tirone, mostra os senadores de 1860 no Palácio Conde dos Arcos, a sede do Senado (Museu Histórico Nacional)

A historiadora Andrea Slemian, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora do livro Sob o Império das Leis: Constituição e unidade nacional na formação do Brasil (Hucitec Editora), explica que, no momento em que a Constituição de 1824 nasceu, prevendo o Senado vitalício, o mundo estava sacudido por ideias liberais e revoluções que puseram em xeque o absolutismo monárquico.

As mais emblemáticas foram a Revolução Francesa, iniciada em 1789, e a Revolução Haitiana, deflagrada logo em seguida. Em Paris, o rei absolutista foi guilhotinado. No Haiti, colônia francesa no Caribe, os escravizados de origem africana se rebelaram, massacraram os brancos, tomaram o poder e se declararam uma nação independente.

As ideias liberais, por sua vez, pregavam que o poder não podia mais ficar nas mãos de uma única pessoa, mas ser limitado pela Constituição e pelos Poderes Legislativo e Judiciário.

— Em resposta a isso, movimentos de moderação política entraram em cena. A ideia de adotar a monarquia constitucional no lugar da monarquia do Antigo Regime teve como objetivo conter as alternativas revolucionárias, inclusive sublevações populares, que ameaçassem a ordem e derrubassem os governos. É por isso que nesse momento a palavra “democracia” é praticamente um xingamento. A Constituição outorgada por D. Pedro I era, sim, liberal, já que acabou com o modelo tradicional de monarquia vigente até o governo de D. João VI, mas precisou trazer elementos conservadores, entre os quais o Senado vitalício, para salvaguardar a ordem e o governo imperial — afirma Slemian.

Outro aspecto que reforçava o caráter moderador do Senado era o modo como os políticos se elegiam. A escolha final não cabia totalmente aos eleitores. Uma lista tríplice, com os mais votados na província, era remetida ao imperador, que escolhia livremente o novo senador vitalício. No caso dos deputados, não havia lista tríplice, e os eleitos eram escolhidos pelas urnas.

Como naturalmente buscava a estabilidade, o imperador sempre escolhia senadores moderados.

A historiadora da Unifesp diz que a manutenção da ordem foi a grande prioridade do Império até os anos 1840 porque a nação independente demorou a se consolidar. Inúmeras revoltas, inclusive separatistas, como a Confederação do Equador, na década de 1820, e a Revolução Farroupilha, iniciada na década de 1830, mostravam que o Brasil corria o risco real de se esfacelar a qualquer momento.

As vizinhas ex-colônias espanholas, mergulhadas em guerras civis após se declararem independentes, sugeriam o caos que poderia se instalar no Brasil.

— Um dos momentos de maior desassossego foi quando D. Pedro I abdicou e o Brasil ficou sem imperador, já que D. Pedro II era uma criança — continua Slemian. — A abdicação deixou o futuro do Império incerto porque outros projetos de Brasil, diferentes do projeto de D. Pedro I, surgiram com força nesse momento. O Senado desempenhou um papel decisivo na manutenção do projeto em vigor, tanto na instalação e na condução da Regência quanto na antecipação da maioridade de D. Pedro II.

Alguns dos regentes, aliás, tinham assento no Senado.

Palácio dos Arcos (Senado Federal), atual Faculdade Nacional de Direito (FND)
Palácio Conde dos Arcos, no Rio de Janeiro, em 1905: casarão foi a sede do Senado em todo o Império e no início da República (Marc Ferrez)

Os críticos do mandato vitalício, por sua vez, argumentavam que os senadores acabavam se acomodando e impunham dificuldades à modernização reclamada pelo país.

Havia adversários do Senado vitalício dentro do próprio Senado. Um deles foi o senador Marquês de Barbacena (AL), que disse:

— O progresso das luzes é constante, não para. As notabilidades variam. O Senado deve ser renovado frequentemente para que não fique estacionado e nas trevas, para que as notabilidades de hoje sucedam as de ontem, que já são mediocridades ou menos que isso.

Na visão dele, o ideal seria que os senadores tivessem mandato de 12 anos:

— O prazo de 12 anos é suficiente para a conservação do princípio da estabilidade, princípio que sem dúvida forma o mais sólido argumento a favor da vitaliciedade do Senado. O prazo de 12 anos, pelo cálculo das probabilidades, também coincide com o termo médio da duração da vida depois dos 45 anos de idade, que é o termo médio da entrada dos senadores em exercício.

O senador Vergueiro (MG) também defendeu o Senado temporário:

— Alega-se que o Senado tem feito coisas muito boas, muito boas leis etc. Mas perguntarei eu se essas boas leis existiriam se o Senado fosse temporário. Parece-me que sim. Logo, o que o Senado tem feito de bom não é argumento que prove a necessidade de ser vitalício.

Buscando as origens da vitaliciedade do Senado brasileiro, o senador José de Alencar (CE) as encontrou na Câmara dos Lordes, a câmara alta do Parlamento britânico, que, além de vitalícia, era hereditária. Ela existe até hoje, embora com poderes reduzidos.

Alencar (não confundir com o escritor de mesmo nome, que era filho do senador) explicou que na Grã-Bretanha isso fazia sentido porque, quando limitou o poder do rei e instituiu o Parlamento moderno, a nação já tinha uma aristocracia consolidada e forte. Não seria possível, portanto, reorganizar as instituições políticas sem abrigar essa nobreza. Segundo ele, o Brasil não deveria ter seguido o mesmo modelo porque aqui não existia semelhante classe aristocrática.

O senador ainda apontou uma desvantagem do Senado vitalício brasileiro:

— Suponhamos que a nação tem patenteado algum desejo seu por todos os canais legais que lhe permitem as instituições: imensos periódicos, representação de câmaras [municipais], de conselhos gerais de província, uma declaração mesmo do Poder Executivo, uma decisão terminante da Câmara dos Deputados; enfim, um clamor geral. E que o Senado, fiado na sua vitaliciedade, se tornava surdo e obstinado, não atendendo a tudo isso. Qual o meio que resta à nação para coagi-lo, a fim de fazer efetiva a sua vontade?

Alencar continuou:

— Se o Senado fosse temporário, a nação sem dúvida preferiria esperar que se findasse o tempo de sua duração para nomear outro que estivesse em harmonia com os seus desejos. Mas, dada a vitaliciedade, esperará a nação que a morte periódica [de senadores] seja o remédio a que recorra? Isto é, esperará a geração presente que a vindoura seja quem satisfaça os seus desejos?

De acordo com os documentos históricos do Arquivo do Senado, a vitaliciedade esteve em risco em duas ocasiões. A primeira foi no início da década de 1830, no período regencial, quando o Parlamento discutiu uma reforma da Constituição.

— O lugar vitalício do Senado é depósito e dom da nação que ele deve guardar. Não deve suicidar-se votando pela sua extinção. Quanto a mim, não abandono o meu posto — afirmou, categórico, o Visconde de Cairu.

A vitaliciedade foi salva por apenas um voto.

A segunda vez em que ela esteve em risco foi no início da década de 1880, quando os deputados conseguiram aprovar um projeto de lei tornando o Senado temporário, mas os senadores derrubaram a proposta.

Quando esse projeto esteve em pauta, o senador Visconde de Jaguaribe (CE) foi sarcástico:

— Se esses meus colegas estivessem mesmo convencidos de que a vitaliciedade era um mal, teriam bastante patriotismo para renunciarem aos seus lugares.

Nos anos 1880, o adjetivo “democrático” já não tinha peso negativo e a participação mais ativa do povo na política era considerada, ao menos na teoria, desejável. Nesse período, o senador Florêncio de Abreu (RS) discursou:

— Não me posso achar deslocado em uma câmara [Senado] que, apesar de vitalícia, não pode esquecer sua origem democrática, que, apesar de conservadora em sua índole e em sua maioria, não pode resistir à corrente das ideias, ao progresso dos tempos e ao impulso da opinião, sob pena de aniquilar-se a si e ao próprio sistema que a criou e sustenta.

O senador Saraiva (BA) também avaliou que a vitaliciedade não tornava os senadores surdos aos apelos populares:

— Há uma força muito natural e legítima que faz e deve fazer pressão sobre o Senado. É a opinião pública. Duvido que o Senado do Brasil, quando a opinião pública se manifestar, não ceda a essa pressão legítima. Apesar de abroquelados em nossa vitaliciedade, saímos do povo, proviemos da eleição, temos relações com os partidos, os partidos vêm muitas vezes buscar seus chefes no Senado. Portanto, precisamos viver com a opinião pública como os membros da Câmara dos Deputados.

Poucos meses após a abolição da escravatura, em 1888, o senador Leão Veloso (BA) contou aos colegas que ele próprio levava em consideração as demandas de seu eleitorado:

— Não considero a vitaliciedade como refúgio para esquecer-me dos legítimos interesses dos que me elegeram. Representante de uma província que sofreu grande abalo com a lei de 13 de maio [Lei Áurea], atendo [observo] a que dela [da província] uma classe importante como é a classe da lavoura dirige-se aos poderes públicos pedindo a reparação dos danos que lhe resultaram, para que não se aniquile. Entendo que não tenho o direito de concorrer para a ruína e desgraça daqueles que me elegeram.

Apesar dos pedidos do senador baiano, o governo imperial não concedeu indenização aos fazendeiros afetados pelo fim da escravidão.

Como os senadores permaneciam no Parlamento até o fim da vida, muitos deles eram idosos. Na crônica O Velho Senado, o escritor Machado de Assis chamou a atenção para a figura do Marquês de Itanhaém (MG), que foi senador até os 85 anos:

“Os senadores compareciam regularmente ao trabalho. Era raro não haver sessão por falta de quórum. Uma particularidade do tempo é que muitos vinham em carruagem própria, como Zacarias, Monte Alegre, Abrantes, Caxias e outros, começando pelo mais velho, que era o Marquês de Itanhaém. A idade deste fazia-o menos assíduo, mas ainda assim era-o mais do que cabia esperar dele. Mal se podia apear do carro, e subir as escadas; arrastava os pés até à cadeira, que ficava do lado direito da mesa. Era seco e mirrado, usava cabeleira e trazia óculos fortes. Nas cerimônias de abertura e encerramento agravava o aspecto com a farda de senador. Se usasse barba, poderia disfarçar o chupado e engelhado dos tecidos, a cara raspada acentuava-lhe a decrepitude”.

Esse argumento da idade avançada era evocado com frequência pelos adversários da vitaliciedade. Os senadores tratavam de se defender, como fez o Visconde de Jaguaribe:

— Não julgo verdadeira a argumentação de que não se deve esperar grande coisa de homens muito velhos que se acham há 30 anos no Senado. Pois não aprendemos desde a infância que a prudência é a qualidade própria dos homens grandemente idosos? Por que havemos, pois, de recear que os que passam de 70 ou 80 anos não possam servir o país quando se sabe que exatamente nessa idade avançada, se as faculdades corporais se enfraquecem, no maior número de casos elevam-se e tomam vigor as faculdades do espírito?

Jornal noticia em 1887 a morte do senador Chichorro da Gama (RJ), aos 87 anos de idade (Reprodução e Gazeta de Notícias/Biblioteca Nacional Digital)

O cientista político Christian Lynch, pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor do livro Da Monarquia à Oligarquia (Alameda Editorial), avalia que o Senado ocupou uma posição central na política brasileira no Império. E não apenas porque nenhuma lei entrava em vigor se, mesmo aprovada pelos deputados, não tivesse recebido o aval dos senadores.

Leis de destaque ganharam nome de senadores, como a Lei Feijó, que tentou barrar o tráfico negreiro, a Lei Eusébio de Queirós, que enfim conseguiu barrá-lo, e a Lei Saraiva, que reformou o sistema eleitoral e, entre outros pontos, acabou com a exigência de ter uma renda mínima para que o cidadão tivesse direito ao voto.

Todas as medidas abolicionistas, incluindo a Lei dos Sexagenários, a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea, foram aprovadas pelo Senado.

Lynch diz que o Senado vitalício garantiu a presença constante da oposição na arena legislativa:

— Imaginemos que o Partido Conservador estivesse no poder, com um primeiro-ministro seu, e chegassem à Câmara apenas deputados conservadores. Nessa situação, seria o Senado vitalício, por sempre ter representantes do Partido Liberal, que conseguiria garantir a representação nacional no Parlamento e dar voz à oposição. Caso o Senado fosse temporário, haveria o risco de só senadores conservadores serem eleitos naquele mesmo momento e, assim, o Brasil ter um Parlamento com partido único.

O cientista político acrescenta que o Senado estava no topo da carreira política no Brasil, ao lado do Conselho de Estado, que assessorava o imperador e também era vitalício.

Normalmente um homem começava como deputado provincial, depois se elegia deputado geral, tornava-se presidente de província e, se tivesse talento e sorte, chegava a senador vitalício. D. Pedro II escolheu no Senado praticamente todos os seus primeiros-ministros.

Para além da vitaliciedade, Lynch vê uma diferença fundamental entre o Senado do Império e o Senado atual:

— No Império, os senadores buscavam mostrar a unidade do Brasil, e não a diversidade. As províncias não eram autônomas como são os estados atualmente. Embora tivessem algumas liberdades, as províncias essencialmente estavam subordinadas ao governo central. Hoje, os senadores buscam exprimir e proteger a diversidade do Brasil. Para que nenhum estado se sobreponha a outro no Senado, todos eles, sejam grandes ou pequenos, têm o mesmo número de senadores. No Império, cada bancada de província tinha um tamanho diferente.

Senadores vitalícios que sempre figuram nos livros escolares de história do Brasil: Padre Feijó e Eusébio de Queirós dão nome às leis que proibiram o tráfico negreiro, respectivamente em 1831 e 1850, e Duque de Caxias comandou as tropas aliadas na Guerra do Paraguai (Reprodução)

O historiador Bruno Antunes de Cerqueira, presidente do Instituto Cultural Dona Isabel I e coautor de Alegrias e Tristezas (editora Linotipo Digital), biografia da princesa, afirma que, uma vez consolidadas a unidade nacional e a ordem, era natural que as ideias liberais ganhassem cada vez mais espaço no Brasil e a vitaliciedade do Senado deixasse de fazer sentido:

— Indicando que o Império brasileiro buscava se democratizar, o senador Visconde de Ouro Preto se elegeu primeiro-ministro em junho de 1889, às vésperas da derrubada da Monarquia, justamente tendo como item de seu programa de governo a abolição da vitaliciedade do Senado. Isso mostra que se tratava de uma época de transição e mentalidade modernizante.

Os parlamentares incumbidos de discutir e aprovar a Constituição de 1891, a primeira da República, nem sequer se debruçaram sobre a questão da vitaliciedade. Os documentos históricos do Arquivo do Senado mostram que essa palavra não apareceu nenhuma vez nos debates. De forma quase natural e sem objeção, os deputados e senadores constituintes tornaram o Senado temporário, com mandato de nove anos, depois reduzido para oito.

– Agência Senado

Redação

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