Impactos cumulativos das pequenas centrais hidrelétricas estão sendo negligenciados no Brasil, aponta estudo
Análise tomou como exemplo caso de um conjunto de pequenas centrais no Pará que teve licenciamento federalizado pela Justiça, em acatamento a pedido do MPF Apesar de as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) estarem se espalhando rapidamente pelo mundo todo, incluindo os rios da Amazônia, o Brasil vem negligenciando os impactos cumulativos dessas obras, aponta estudo divulgado na revista Energy Policy, uma das publicações científicas internacionalmente mais importantes na temática.
Elaborado por pesquisadores que atuam no Brasil e no exterior, o trabalho utilizou como exemplo um projeto no Pará que teve seu licenciamento ambiental federalizado pela Justiça esta semana justamente por causa da falta de medição dos impactos cumulativos, entre outras falhas.
A desconsideração desses impactos é uma ameaça aos serviços ecossistêmicos, à conectividade fluvial, à conservação da biodiversidade e ao modo de vida de comunidades indígenas e tradicionais, alerta a pesquisa.
A ameaça não põe em risco apenas a Amazônia, mas também outros biomas brasileiros e de países que enfrentam o aumento súbito de PCHs, destacam os pesquisadores Simone Athayde, Carla Duarte, Amarilis Gallardo, Evandro Moretto, Luisa Astarita Sangoi, Ana Paula Dibof, Juliana Siqueira-Gay e Luis Sánchez.
Procuradora da República em Santarém (PA), Luisa Sangoi é a autora da ação em que o Ministério Público Federal (MPF) pediu que a responsabilidade pelo licenciamento do Complexo Hidrelétrico do Rio Cupari, em Rurópolis, sudoeste do estado, fosse transferida do governo estadual para o federal. O pedido foi acatado em decisão assinada no último dia 2 pelo juiz federal Arthur Pinheiro Chaves, da Justiça Federal na capital paraense.
Saídas – Composto por profissionais com atuação na Universidade da Flórida (UF), na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e na Universidade Nove de Julho (Uninove), além da representante do MPF, o grupo de pesquisadores defende a necessidade de adotar boas práticas na análise dos impactos ambientais cumulativos em múltiplas escalas, principalmente, na aplicação de políticas públicas existentes e de novos instrumentos políticos.
Os novos instrumentos sugeridos pelos pesquisadores são a adoção da Avaliação Ambiental Estratégica no planejamento da expansão hidrelétrica, levando em consideração outros planos, programas e políticas na região e nas bacias amazônicas; o desenvolvimento integrado de avaliações ambientais considerando simultaneamente as PCHs e as Usinas Hidrelétricas (UHEs) inventariadas; a utilização de evidência científica e de instrumentos tecnológicos no planejamento e alocação territorial de PCHs; a adoção de políticas que protejam os direitos humanos e ambientais; e o fortalecimento do diálogo intersetorial, com o desenvolvimento de fóruns e comitês de múltiplos atores sociais.
Cupari – Na ação judicial em que o MPF pediu a federalização do licenciamento ambiental do Complexo Hidrelétrico do Rio Cupari, a procuradora da República Luisa Sangoi apontou que o Mato Grosso também será impactado pelo projeto, que a soma dos impactos das pequenas centrais equivale ao impacto de uma hidrelétrica de grande porte, e que unidades de conservação também poderão ser impactadas.
A decisão liminar (urgente) estabelece que o licenciamento, até então sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), terá que ser assumido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em caso de descumprimento da decisão, a multa prevista é de R$ 10 mil por dia de desobediência à Justiça Federal.
“Ao que se observa, portanto, os inúmeros empreendimentos em fase de estudo e implementação, todos dentro da mesma bacia hidrográfica, ostentam considerável potencial de impactar de forma negativa o meio ambiente nas áreas a serem atingidas, razão pela qual de fato, sob a ótica dos princípios da precaução e prevenção, os licenciamentos feitos de forma isolada decerto serão incapazes de prever os efeitos sinérgicos e cumulativos a longo ou médio prazo, demandando cautela do Poder Público no trato da questão”, registrou na decisão o juiz federal Arthur Pinheiro Chaves, da 9ª Vara Federal em Belém, especializada no julgamento de ações de natureza ambiental.
Na decisão, o magstrado considera ser evidente que o licenciamento de forma “fatiada” não atenderá aos princípios da precaução e prevenção, “os quais devem nortear todo o processo de licenciamento ambiental e são de observância obrigatória tanto pelo empreendedor quanto pelo Poder Público, dada a reconhecida força normativa dos princípios insertos na Carta Magna”.
MPF