Guerra no streaming deve forçar mudança na legislação esportiva brasileira
País precisa atualizar a legislação para tornar mais clara as diretrizes sobre o streaming
O esporte também precisa ser discutido juridicamente. E a revolução do streaming é só mais um exemplo que escancara como nossas leis estão ultrapassadas
Amazon Prime, Apple TV+, Netflix, HBO GO, YouTube Premium. O que não faltam são opções de plataforma de streaming acessíveis. E a guerra, que já era intensa, ganhou um concorrente de peso com a chegada do Disney+ ao mercado. O serviço da casa do Mickey Mouse conta com um catálogo de causar inveja nos concorrentes para brigar por uma fatia do bolo. A série “The Mandalorian”, do universo “Star Wars”, foi assistida por dois milhões de pessoas nas primeiras 24 horas. Segundo a Disney, no primeiro dia o Disney+ foi assinado por 10 milhões de pessoas. A empresa, porém, não informou quantas destas assinaturas se inscreveram somente para o teste gratuito de sete dias.
Nos Estados Unidos, a plataforma oferece um pacote com séries e filmes, e também um mais completo que dá acesso a programação de esportes da ESPN. Uma das armas da Disney é o preço. A assinatura mensal custa US$ 6,99 contra US$ 8,99 do plano básico da Netflix (cerca de R$ 30 contra R$ 38). Os resultados iniciais confirmam que a forma de entregar e consumir conteúdo mudou e o mercado brasileiro já entendeu.
“O esporte também precisa ser discutido juridicamente. E a revolução do streaming é só mais um exemplo que escancara como nossas leis estão ultrapassadas”, alerta o advogado especialista em Direito Esportivo Andrei Kampff, do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
O streaming já foi questionado juridicamente na Inglaterra, sob a alegação de ser caminho fácil para a pirataria. O judiciário não entrou nessa história. “Ele reforçou que a plataforma é constitucional e ajuda no indispensável acesso à informação. No Brasil, a chegada do streaming acelerou a discussão sobre o Direito de Arena (direito de transmissão), hoje tipificado pela lei do esporte, a Lei Pelé, no artigo 42”, pontuou Kampff.
Assim, clubes e entidades esportivas passam a ter o poder de negociar com mais empresas, na busca de melhores contratos e valores vultosos. “Os direitos de transmissão serão liberados por muito mais dinheiro. Isso é Direito de Arena, e está diretamente relacionado à produção de conteúdo. Mas também o direito de imagem, contratos de publicidade, exposição dos patrocinadores, negociação clubes/entidades esportivas. Tudo isso também envolve Direito Esportivo. E tem a ver com streaming”, analisa o advogado, sócio do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
A Liga Nacional de Basquete neste ano passou a apostar no conceito de multiplataforma para os jogos do NBB, a principal competição do basquete brasileiro. A entidade não renovou o vínculo com o Grupo Globo, parceiro da LNB por dez anos, para ter seu produto transmitido por ESPN, Fox, Band, Facebook e Twitter.
A Globo, maior produtora de conteúdo do país e principal detentora dos eventos esportivos em território nacional, tenta impulsionar o Globoplay, seu serviço de streaming. Para isso, o Globoplay conta com uma extensa gama de novelas, séries, jornalismo e eventos esportivos como chamariz. Uma das estratégias é a degustação na TV aberta de produtos que estão na íntegra no streaming.
Principal competição interclubes do mundo, a Liga dos Campeões tem transmissão ao vivo pelo Facebook, o mesmo acontece com a Taça Libertadores, que teve neste ano jogos exclusivos na rede social. A Copa Sul-americana teve neste ano transmissão exclusiva do DAZN. E para o advogado Andrei Kampff a legislação brasileira não tem acompanhado essa revolução na comunicação.
“A Lei Pelé, no art 42, diz que esse é um direito que pertence às entidades esportivas, que, com o amparo legal, podem negociar a captação, transmissão, retransmissão, por qualquer meio, de evento esportivo de que participem. E determina que os clubes têm a prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, fixação, emissão, transmissão, retransmissão ou a reprodução de imagens por qualquer meio ou processo de espetáculo desportivo de que participem (a restrição não se aplica à exibição de flagrantes do espetáculo para uso exclusivamente jornalístico). E, após atualização em 2011, também determina que 5% da receita proveniente da exploração dos direitos desportivos audiovisuais serão repassados a cada jogador participante do espetáculo”, analisa o advogado e sócio do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
A Lei Pelé, promulgada em 1998, não conseguiu acompanhar a transformação do mercado audiovisual. O texto, por exemplo, não esclarece se o direito de arena pertence exclusivamente ao clube mandante ou ao visitante também. Algo que passou a ser mais relevante quando o Esporte Interativo tirou da TV Globo a exclusividade de transmissão do Campeonato Brasileiro. Alguns clubes negociaram com a nova emissora, e a partir deste ano as transmissões estão divididas entre as duas empresas.
“Na Lei Pelé não há nada sobre streaming, sequer qualquer menção sobre transmissão via internet. Isso é um grande problema, e nossos legisladores precisam urgentemente entender esse novo momento da comunicação. Existe um projeto de lei no Senado Federal, o PL 68/17, que trata do Direito de Arena. O artigo 206 determina que todas as regras existentes para a TV sejam válidas também para a transmissão, uso e veiculação de imagens dos eventos esportivos na rede mundial de computadores. Ou seja, mesmo sendo de 2017, o anteprojeto já prevê a era do streaming. E determina que o detentor de imagem é o mandante do jogo, para acabar com a lacuna existente na lei atual”, explica o especialista em direito esportivo Andrei Kampff.
O futuro da televisão parece estar se desenhando a partir do streaming. Apesar de ainda não gerar para a Globo a mesma receita da TV aberta, o grupo investirá R$ 1 bilhão no Globoplay em 2020. A Globo não divulga os números de assinantes do seu serviço de streaming. Estimativas do mercado dão conta que o número é de aproximadamente 3,5 milhões, ainda longe dos mais de 14 milhões que a Netflix tem no país. A Netflix também lidera o número global de assinantes, com 140 milhões de contas de assinatura.
“A verdade irrefutável é: a TV aberta deixou de nadar soberana como a detentora do monopólio da informação coletiva. E ela também sabe que esse é um caminho sem volta. E nossa legislação precisa acompanhar esse movimento. O Direito esquece sua essência quando perde a sintonia com a sociedade, com sua evolução e transformações sociais. Se adequar aos novos tempos é mais do que entender o streaming e as diferentes possibilidades legais que ele apresenta, é estar cumprindo com seu papel social”, finaliza o sócio do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
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