MEMÓRIA BRASILEIRA

FGV CPDOC recebe caderno inédito de Getúlio Vargas sobre a época de seu exílio em São Borja

O FGV CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) recebeu da neta de Getúlio Vargas (Celina Vargas) um caderno inédito do ex-presidente com anotações que vão de 1945 a 1949, época do seu “exílio” (em 1945 ele foi deposto e de 1946 a 1949 foi senador). O caderno ficou guardado pela mãe de Celina, Alzira Vargas, por décadas.  
No bilhete que Alzira deixou na capa do caderno está escrito “Este caderno escrito de 45 a 49 é excelente, mas bastante “quente”. Ler com cuidado e usar com atenção. São notas de um homem revoltado e consciente. Algumas nunca foram publicadas, outras transformadas em discurso.” 
Todo o acervo de Vargas, as quase 600 cartas trocadas com a filha Alzira, incluindo os originais das cartas-testamento (a de 45 e a de 54, escrita no dia da sua morte) estão no FGV CPDOC. Esse caderno inédito, que não foi pensado para ser publicizado, mostra um Vargas autêntico, que faz críticas contundentes e mostra suas articulações para voltar ao poder, o que acontece após as eleições de 1950. 
De acordo com o professor Marco Vannucchi (FGV CPDOC), há alguns aspectos importantes no caderno. Um deles é o contexto pessoal e político no qual Vargas escreve – nos anos de autoexílio, depois de ter sido deposto. Ele está isolado, na fazenda da família em São Borja (RS). Sua família fica no Rio; em São Borja, ele tem alguns poucos parentes. É um momento de passagem para ele, que acompanha a transformação do mundo para uma democracia de massa. Ele começa a entender essas mudanças nesse período, quando se prepara para voltar politicamente em um cenário de democracia de massa. Nesse período ele era senador, mas pouco atuante, vinha muito pouco ao Rio.  
É como se o ditador destronado estivesse se convertendo em um político de uma democracia de massas, que tem que conviver com a imprensa livre, com eleições, com a organização política em partidos, com as instituições democráticas. O caderno mostra bem essas reflexões que ele faz nesse novo contexto no qual ele escreve. 
O tom do caderno, um tanto confessional, às vezes, bastante duro, com ataques pessoais. A sua franqueza é um destaque. Ele é especialmente duro em relação à imprensa, que foi o grande “partido de oposição” nos anos finais do Estado Novo. Ele sabe que não pode contar com a grande imprensa, que é contrária a ele.  
Vargas também faz um balanço do que foram os 15 anos de governo, reflete muito sobre isso. É bastante autoelogioso, no sentido de que, na sua visão, fez bem para o povo; faz análises da conjuntura atual, é particularmente crítico ao governo Dutra e ao PSD, um partido que ele ajudou a criar. É mais crítico ao PSD do que à UDN, que fazia uma oposição direta ao varguismo. 
O papel dos militares na política, especialmente do Exército, é outro tema das suas anotações. Ele acredita no apartidarismo do Exército, mas sabe que existem militares que tentam se aproveitar do Exército para seu apetite político. Ele retoma um tema já antigo em seus discursos e escritos, que está relacionado às insuficiências da democracia liberal para garantir o bem-estar dos trabalhadores. Ele não acredita na democracia liberal como um caminho para prover esse bem-estar. 
“Nos escritos ele mostra que logo começa a dialogar com a possibilidade de voltar ou não à presidência, de início põe em dúvida, achando que seu retorno jamais seria possível; depois escreve o que faria se voltasse e, em um terceiro momento, já aparece articulando a sua candidatura e fazendo planos para um futuro governo, que veio a acontecer com a sua vitória nas eleições de 1950”, disse o professor Marco Vannucchi. 

– FGV

Redação

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