Desmatamento em áreas griladas nas florestas públicas da Amazônia explode em dois anos
A área derrubada em 2019 e 2020 em terras registradas ilegalmente como propriedade particular em florestas públicas não destinadas cresceu 50% em relação a anos anteriores; a maioria se concentra em terrenos com CAR.
O desmatamento em florestas públicas não destinadas da Amazônia cresceu 50% nos últimos dois anos em comparação aos cinco anos anteriores: de 112,8 mil hectares desmatados, na média de 2014 a 2018, a área derrubada ali cresceu para 215,6 mil ha em 2019 e 226,5 mil ha em 2020.
O desmatamento total registrado nos últimos dois anos nessas florestas foi de 442,2 mil ha e a maioria, 60%, aconteceu em terrenos descritos ilegalmente como propriedade particular no Sistema Nacional de Cadastro Ambientais Rurais (SICAR).
Uma vez que é autodeclaratório, o CAR tem sido usado por grileiros na tentativa de forjar posse sobre florestas que são patrimônio público. Registros irregulares já cobrem atualmente 29% dessas florestas públicas, ou mais de 14 milhões de ha.
“O CAR, que foi construído com o objetivo de viabilizar a regularização ambiental do imóvel rural, vem sendo usado para viabilizar desmatamentos ilegais”, afirma o pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho.
As florestas públicas não destinadas somam 51 milhões de ha da Amazônia, e estão sob a tutela dos governos estaduais e federal. Sua invasão e o consequente desmatamento e queimadas são um problema conhecido, e não foi diferente no último ano: 20% do desmatamento observado pelo sistema Prodes, que mede a taxa anual, aconteceu nessas áreas.
Copo meio vazio
O Cadastro Ambiental Rural foi criado em 2012, com o novo Código Florestal, e regulamentado em 2014. Apesar de apresentar boa adesão por parte dos proprietários rurais, ele até hoje não foi completamente implementado: ainda falta concluir o passo seguinte à declaração, que é a validação das informações jogadas no sistema.
“Acredito que o instrumento, o CAR, seja positivo, mas precisamos avançar e implementá-lo completamente, não pela metade. Enquanto estiver dessa forma, ele continuará sendo utilizado para esse tipo de fraude”, explica a procuradora da República no Amazonas Ana Carolina Haliuc Bragança, coordenadora da Força Tarefa Amazônia, do Ministério Público Federal.
“É estarrecedor o que está acontecendo. Grandes grileiros, que são loteadores de terras públicas, demarcam, desmatam e vendem essas áreas”, afirmou o deputado federal Rodrigo Agostinho, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, no mesmo evento. “Precisamos transformar a Amazônia em terra de legalidade. Não podemos aceitar esse processo que está se dando agora.”
Florestas e clima
Até hoje, mais de 2,8 milhões de hectares de florestas não-destinadas foram desmatados, ou 6% da área total, o que gerou a emissão de 1,49 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, agravando as mudanças climáticas. É um volume correspondente a mais da metade do que todo o Brasil jogou de gases do efeito estufa na atmosfera em 2019.
Segundo a Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006, essas florestas deveriam ser destinadas para a conservação e o uso sustentável. “Se não cuidarmos do nosso patrimônio, a tendência é perdermos toda essa riqueza, tanto na geração atual, quanto na futura. É importante que todo cidadão brasileiro entenda o que está em jogo, independentemente de ideologia, orientação política ou partidária”, diz Moutinho.
“É na Amazônia que está armazenado o equivalente a mais de dez anos de emissões humanas de carbono. Ela preserva a vida e permite que a agricultura brasileira seja pujante. Portanto, sua integridade e destinação são fundamentais”, afirma o diretor-executivo do IPAM, André Guimarães.
Desde 2018, o IPAM publicou dois artigos científicos detalhando a invasão das florestas públicas não destinadas, e no ano passado integrou a campanha “Seja Legal com a Amazônia”, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. -IPAM