Coronavírus: pesquisadores mostram profissões com risco de contágio
Técnicos em saúde bucal são os mais vulneráveis à infecção pelo vírus
Pesquisadores do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) mapearam o risco de contaminação pelo novo coronavírus (covid-19) nas várias áreas de atuação dos trabalhadores brasileiros. O estudo, divulgado esta semana, mostra que os técnicos em saúde bucal são os mais vulneráveis à infecção pelo vírus.
A Agência Brasil conversou com um dos responsáveis pela pesquisa, o pesquisador do Laboratório do Futuro da Coppe/UFRJ, Yuri Lima sobre os principais resultados encontrados. O estudo, segundo ele, pode ser usados pelos setores público e privado para proteger os trabalhadores da covid-19 e também para traçar planos para reduzir o desemprego após a pandemia.
O mapeamento inclui mais de 2,5 mil ocupações e abrange todo o país. A metodologia usada é a mesma empregada pelo New York Times, nos Estados Unidos. Os pesquisadores usaram a Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho, e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério da Economia e avaliaram o contexto de trabalho das ocupações, com foco nas consequências do coronavírus.
O estudo mostra que 2,6 milhões de profissionais da área de saúde apresentam risco de contágio acima de 50%. Dentre eles, os mais vulneráveis são os técnicos em saúde bucal, um total de 12,5 mil profissionais, com 100% de risco de contágio, em função do ambiente e da proximidade física com os pacientes.
Já os vendedores varejistas, operadores de caixas, entre outros profissionais do comércio que, juntos, somam cerca de 5 milhões de trabalhadores no país, apresentam, em média, 53% de risco de serem infectados.
No setor de transportes, o risco também é alto. Entre os 350 mil motoristas de ônibus urbanos e rodoviários, o risco de contágio é superior a 70%. Os professores também estão no grupo de profissionais mais afetados, com um índice de risco acima de 70%. A suspensão das aulas em todo o país, no entanto, reduziu esse índice.
Entre os menos vulneráveis, estão os intelectuais e aqueles profissionais que realizam trabalhos voltado para o setor artístico, por exercerem atividades de forma quase solitária. O risco de contágio é, em média, 19% entre roteiristas, escritores e poetas, por exemplo. Os mais de 14 mil operadores de motosserra, cuja maioria trabalha nas áreas rurais, apresentam risco de 18%.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Agência Brasil: Como surgiu a ideia de fazer esse estudo?
Yuri Lima: A gente trabalha desde 2016 no Laboratório do Futuro com uma linha de pesquisa voltada para estudar o futuro do trabalho. Então, a gente, desde antes desse período da covid, faz pesquisas com dados sobre emprego para poder entender como vai ser a questão, por exemplo, da automação no futuro e quais serão as alterações no trabalho. Quando começamos a ver o coronavírus aparecer a gente decidiu que era uma necessidade desse momento a gente poder produzir dados confiáveis e análises importantes para poder embasar as discussões do impacto da covid sobre o emprego. A discussão era pautada por dados que vinham do exterior e não se falava muito sobre a situação brasileira.
Agência Brasil: O que os resultados encontrados nos mostram?
Yuri Lima: Eu acho que os resultados são de certa forma um alerta. Quando a gente olha para esses dados a gente percebe que tem uma grande parcela da população que está trabalhando ou que poderia estar trabalhando em risco se tivesse sem essas medidas de distanciamento social. A gente percebe a importância dessas medidas. Quando a gente olhou para os dados, a gente percebeu coisas que já eram esperadas, como o setor de saúde estar sendo muito afetado. Isso já era algo bem óbvio. Mas, a gente viu também setores que são considerados essenciais, como o de alimentação e parte do comércio que trabalha com venda de alimentos, que têm um risco bem considerável. Uma das coisas que a gente precisa levantar com essa discussão é que essas pessoas que estão nessas ocupações estão em risco. Elas também precisam ser protegidas. A gente não pode ter a execução dessas atividades essenciais sem pensar na segurança desses trabalhadores.
Agência Brasil: Além de pensar no agora, na proteção desses trabalhadores, como vocês avaliam que a pandemia poderá afetar o futuro do trabalho?
Yuri Lima: A gente vê uma intensificação de certas mudanças que a gente e muitos outros pesquisadores já discutíamos antes. A gente já tinha um processo de digitalização da economia. Cada vez mais os serviços são feitos pela internet, por aplicativos. Agora, a gente vê uma intensificação disso. Algo que se intensifica nesse momento e acaba virando um novo normal. A gente está passando agora por uma dependência maior desse tipo de intermediação digital e a tendência é que isso permaneça em um nível mais alto depois que isso passar. Então, a gente pode esperar uma economia mais digitalizada.
Um outro movimento que a gente estudava antes desse período é a questão da automação e o impacto que essa automação. Automação é diferente da digitalização. Ela substitui os trabalhadores pelas máquinas, a gente vê que vai haver um interesse de parte das empresas, principalmente das grandes que têm recursos para se manter nesse momento, de substituir parte dos trabalhadores por máquinas, na medida que é necessário fazer isso para manter a produção corrente, para não parar uma fábrica. O que a gente tem percebido é que este tende a ser um momento que a automação vai crescer mais do que nunca. E isso vai continuar depois. Quando se faz um investimento em automação, isso não é algo que você vai jogar fora daqui a três ou quatro meses. É uma coisa que vai permanecer.
Agência Brasil: Podemos esperar, então, um impacto no mercado de trabalho.
Yuri Lima: Não tem como o mercado de trabalho não sofrer uma redução, no sentido de ter mais pessoas desempregadas, de reduzir a força de trabalho. Independente das medidas que se tome, vai haver redução. O que gente pode fazer é mitigar esse impacto. Uma questão que já vinha antes da pandemia é a estagnação da renda real dos trabalhadores. Em um período de crise, a gente percebe que isso tende a piorar, porque a gente vai ter menos pessoas que vão conseguir trabalhar. Tem uma redução da renda das pessoas, até pelas propostas que foram feitas, tanto para os trabalhadores formais quanto para os informais. Elas representam uma redução do salário, que tende a permanecer depois desse período, até pela alta taxa de desemprego. A gente vai ter uma concorrência maior no mercado e isso joga os salários para baixo.
Agência Brasil: É possível se preparar para esse cenário?
Yuri Lima: Tem uma série de iniciativas que estão sendo tomadas. A gente tem que ter uma preocupação em manter as pessoas empregadas. Isso é algo importante para o governo analisar. Não tem jeito, isso é aumento de dívida pública, tem que conseguir mais recursos para isso. Do ponto de vista do governo, pode-se identificar quem são essas pessoas que estão ficando desempregadas, pode-se olhar para essa questão do risco de contágio. Pode-se pensar em como manter pessoas trabalhando em ocupações que não vão ser afetadas, ou que têm menos risco de contágio. Depois que passar esse momento de distanciamento social, fazer o possível para a gente ter uma boa transição, uma transição segura para um estágio mais intermediário.
Agência Brasil: Além das ações do poder público, o que os trabalhadores e as empresas podem fazer?
Yuri Lima: Do ponto de vista das pessoas, dos trabalhadores, a gente sabe que será um momento bem complicado. A gente sabe que têm certas ocupações que dificilmente vão ser mantidas nesse momento. É difícil, mas acho que cabe uma reflexão por parte dos trabalhadores de olhar essas informações, não só o que a gente tem feito, claro, mas de qualquer outra fonte confiável, de que tipo de área é possível atuar, que tipo de caminho e formação a pessoa pode buscar no sentido de fugir das atividades que estão mais em risco. Tanto em risco de contágio, quanto em risco de desemprego tanto pela digitalização quanto pela automação.
Governo e empresas, que estão precisando, em certos casos, colocar as pessoas em situação de desemprego, podem apoiar esse processo todo. Acho que ninguém pode abrir mão do seu lado de culpa nesse processo. Acho que tem que ter um pouco de solidariedade. Acho que é esse momento de desenvolver um certo apoio. A gente não pode acabar achando que isso vai ser um momento romantizado, que os trabalhadores vão ter oportunidade de aprender, porque a gente sabe que isso não acontece sem que haja um bom apoio das empresas e do governo. Entram também os sindicatos, as universidades, toda essa rede de formação e de apoio aos trabalhadores e às empresas.
Agência Brasil