Organizações e pesquisadores divulgam nota contra descaso com incêndio e desmatamento
“O atual negacionismo científico de diversos setores do governo em relação ao avanço do fogo e suas consequências promoveu uma demora na resposta e no envio de recursos que poderiam ter sido decisivos para mitigar e reduzir as perdas em área e em diversidade de espécies”, atestam a REBISEC, a SBPC e sociedades científicas afiliadas, docentes do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFMS, e dezenas de Instituições, pesquisadores e organizações coletivas
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NOTA DE REPÚDIO AO DESCASO GOVERNAMENTAL NO COMBATE A INCÊNDIOS FLORESTAIS E DESMATAMENTO NO PANTANAL MATO GROSSENSE E EM OUTROS ECOSSISTEMAS BRASILEIROS
A Rede de Biodiversidade e Sócio-Ecologia (REBISEC), por meio das associações e sociedades científicas que a compõem, Sociedades e Associações Científicas afiliadas à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), Docentes do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso supracitados, Instituições, Pesquisadores(as) e Organizações Coletivas vêm manifestar seu repúdio em relação ao descaso dos governantes em promover ações efetivas para evitar e combater os incêndios ocorrentes no Pantanal Mato-Grossense e em outros ecossistemas brasileiros, reduzindo drasticamente a cobertura de vegetação nativa (campos e florestas) e a biodiversidade associada no Brasil.
O Pantanal está entre as maiores e mais contínuas áreas úmidas do mundo, reconhecido pela alta diversidade de fauna e flora (Harris et al. 2005), desempenhando um papel crítico no ciclo hidrológico e climático no país e toda a América do Sul (Santos & Nogueira 2015). O fogo nesta região é um fenômeno recorrente e ocorre naturalmente associado à incidência de raios, principalmente em períodos de estiagens. Além disso, o uso do fogo no Pantanal não é uma prática recente, mas compõe o acervo de técnicas de manejo do ambiente (Rossetto & Brasil Junior 2003, Schulz et al. 2019).
Embora esta prática esteja enraizada culturalmente há séculos, o aumento recente da intensidade do fogo pode estar associado às mudanças nas técnicas de produção motivadas pelo controle dos órgãos ambientais (Rossetto & Brasil Junior 2003). Tais técnicas incluem as práticas adotadas para o desenvolvimento da pecuária tradicional, visando à limpeza da pastagem, bem como queima de raízes para retirada de mel de abelha (Rossetto & Brasil Junior 2003; Biller & Souza 2020). No cenário atual, a sinergia entre as mudanças climáticas e a intensificação antrópica do desmatamento e incêndios florestais tende a agravar as modificações no balanço hídrico por meio do aumento das temperaturas e da evaporação, com consequente redução de chuvas, culminando na intensificação das secas.
Figura 1. Dados mensais de focos de incêndio na região do Pantanal no ano de 2020. Até o presente momento, os incêndios no Pantanal brasileiro já atingiram uma área correspondente a 18.646 km2, com aproximadamente 16.000 focos no ano de 2020. Considerado, antes da incidência dos incêndios, um dos ecossistemas mais preservados do país em relação à vegetação nativa, a devastação provocada pelos incêndios atingiu aproximadamente 12% da área total até o presente (INPE 2020). * Estimativa até o dia 16 de setembro de 2020.
Os incêndios no Pantanal culminam em severos impactos para a biodiversidade aquática e terrestre, pois o fogo pode causar eventos de mortandade em massa para espécies animais, particularmente fossoriais e semi-fossoriais que vivem nas camadas mais superficiais do solo, de baixa mobilidade como alguns artróprodes, e de deslocamento lento, tais como serpentes e anfíbios, mas também para espécies de mamíferos e aves (ALHO et al. 2011). Além disso, o fogo pode afugentar indivíduos destes dois últimos grupos, levando-os a competir com outros da mesma espécie e de outras em áreas menores. Em todos os casos, as perdas são irreparáveis e catastróficas. No entanto, a despeito da dimensão da crise promovida pela intensidade do fogo, o número irrisório de autuações e a baixa presença da fiscalização em campo aumenta a sensação de impunidade frente à crise (Shalders 2020).
O fogo afeta também a qualidade do solo e da água nos períodos subsequentes à sua passagem. Os incêndios provocam a erosão do solo e com o início das chuvas o material orgânico queimado é carregado para o ambiente aquático, onde o fenômeno da decoada é potencializado. Tal fenômeno caracteriza-se pela redução das concentrações de oxigênio dissolvido, favorecendo a mortandade de peixes (Macedo et al. 2015).
As emissões provenientes dos incêndios florestais impactam o equilíbrio climático do planeta, por meio das emissões de dióxido de carbono (CO2) e de gases-traço como metano (CH4), monóxido de carbono (CO) e nitroso de oxigênio (N2O) (Freitas et al. 2005). Tais emissões provenientes das queimadas se dispersam impactando primeiramente a saúde de populações dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, principalmente as comunidades tradicionais e povos indígenas, que são fortemente expostas. Em escalas mais amplas, estas emissões, materiais particulados inaláveis, bem como “black carbon” ou carbono grafítico, podem constituir-se em uma espessa camada de fumaça que, favorecida pelos movimentos convectivos, pode elevar os níveis de poluentes na troposfera, bem como dispersar sobre uma extensa área, distante da fonte de emissão (Freitas et al. 2005).
Outro elemento de extrema gravidade é a origem dos incêndios. Nesse sentido, as investigações sobre as possíveis ações criminosas devem ser aprofundadas, as suspeitas sanadas e as punições aplicadas devido à constatação de incêndio florestal com dano à fauna e flora, seguindo a Lei n. 9.605 /98. O atual negacionismo científico de diversos setores do governo em relação ao avanço do fogo e suas consequências promoveu uma demora na resposta e no envio de recursos que poderiam ter sido decisivos para mitigar e reduzir as perdas em área e em diversidade de espécies. Esta lacuna na atuação evidenciou a ausência de um plano estratégico de ação emergencial bem como de política continuada de monitoramento, conservação e preservação do ecossistema, favorecendo o avanço espacial do fogo e os danos sobre a biodiversidade com consequências negativas à saúde da população e ao aquecimento global, através do aumento das temperaturas e de emissões de gases.
REBISEC (Rede de Biodiversidade e Sócio Ecologia) e
Grupo de Trabalho SBPC: Meio Ambiente:
Luciana Gomes Barbosa
Presidente da Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno)
Coordenadora REBISEC e Grupo de trabalho SBPC
Alexandre Reis Percequillo
Presidente da Sociedade Brasileira de Mastozoologia (SBMZ)
Flavio Rodrigues
Presidente da Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia (Ecotox Brasil)
Carlos Eduardo Grelle
Presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO)
Maria Alice dos Santos Alves
Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)
Maria Elina Bichuette
Presidente da Sociedade Brasileira de Ictiologia (SBI)
Luciane Marinoni
Presidente da Sociedade Brasileira de Zoologia (SBZ)
Fernanda Vidigal Duarte Souza
Presidente da Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG)
Flavio Manoel Rodrigues da Silva Júnior
Presidente da Sociedade Brasileira de Ecotoxicologia (Ecotox)
Daniel Caixeta Andrade
Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO)
Marcia Maria Menendes Motta
Associação Nacional de História (ANPUH)
Lenita de Freitas Tallarico
Presidente da Sociedade Brasileira de Malacologia (SBMa)
Zenith Nara Costa Delabrida
Presidente da Associação Brasileira de Psicologia Ambiental e Relações Pessoa-Ambiente
Sociedades e Associações Científicas Afiliadas à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC)
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação Brasileira de Ciências Farmacêutica (ABCF)
Associação Brasileira de Educação Especial (ABPEE)
Associação Brasileira de Estatística (ABE)
Associação Brasileira de Estudos Sociais da Ciências e das Tecnologias (ESOCITE.BR)
Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET)
Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC)
Associação Brasileira de Mutagênese e Genômica Ambiental (Mutagen-Brasil)
Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE)
Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)
Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB)
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
Associação Nacional de Ensino e Pesquisa do Campo de Públicas (ANEPCP)
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL)
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR)
Clube Brasileiro de Purinas (CBP)
Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação (SOCICOM)
Sociedade Astronômica Brasileira (SAB)
Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBf)
Sociedade Brasileira de Biologia Celular (SBBC)
Sociedade Brasileira de Eletromagnetismo (SBMAG)
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC)
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)
Sociedade Brasileira de Fisiologia (SBFis)
Sociedade Brasileira de Genética (SBG)
Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC)
Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE)
Sociedade Brasileira de Matemática (SBM)
Sociedade Brasileira de Matemática Aplicada e Computacional (SBMAC)
Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBMicro)
Sociedade Brasileira de Microeletrônica (SBMicro)
Sociedade Brasileira de Micro-ondas e Optoeletrônica (SBMO)
Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMAT)
Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP)
Sociedade Brasileira de Química (SBQ)
Sociedade Brasileira de Telecomunicações (SBrT)
Sociedade Brasileira de Virologia (SBV)
Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB)
Universidades e Instituições, Pesquisadores(as) e Organizações Coletivas
Docentes do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado de Mato Grosso
Docentes do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do
Estado de Mato Grosso
Docentes da Faculdade de Ciências Agrárias e Biológicas da Universidade do Estado de
Mato Grosso, Curso de Biologia
Docentes do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos da
Universidade do Estado de Mato Grosso
Docentes do Programa de Pós Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade da
UFMT-Cuiabá
Docentes do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal de Juiz de
Fora
Centro Acadêmico de Graduação em Ciências Biológicas da Universidade do Estado de
Mato Grosso
Instituto Gaia – Programa Humedales sin Fronteras
Instituto Japuíra de Conservação
Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas – FONASC
Docentes e membros da Sociedade Civil:
Prof. Dr. Ernandes Sobreira Oliveira Júnior
Prof. Dr. Claumir Cesar Muniz
Prof. Dr. Wilkinson Lopes Lázaro
Profª. Drª. Carla Galbiati
Profª. Drª. Solange Kimie Ikeda Castrillon
Profª. Drª. Maria Antonia Carniello
Profª. Drª. Áurea Regina Alves Ignácio
Prof. Dr. Manoel dos Santos Filho
Profª. Drª. Liliane Cristine Schlemer Alcantara
Profª. Drª. Célia Alves de Souza
Profª. Drª. Eliane Ignotti
Prof. Dr. Sandro Benedito Sguarezi
Prof. Dr. Dionei José da Silva
Thiago Ferreira Pereira
Bruno Lima de Oliveira
Letícia Barros de Brito
Profª. Drª. Claudineia Lizieri dos Santos
Ms. Derick Victor de Souza Campos
Profª. Drª. Luciana Melhorança Moreira
Prof. Dr. Joari Costa de Arruda
Prof. Ms. Victor Hugo de Oliveira Henrique
Profª. Drª. Alessandra Aparecida E. Tavares Morini
Profª. Ms. Juliana Bruning Azevedo
Prof. Ms. Priscila Campos Santos
Profª. Drª. Edilaura Nunes Rondon
Prof. Emerson de Oliveira Figueiredo
Profª. Drª. Manuella Maria Silva Santos
Profª. Drª. Fabiana Aparecida Caldart Rodrigues
Profª. Drª. Beatriz Ferraz Buhler
Profª. Drª. Jussara de Araújo Gonçalves
Profª. Drª. Juliana Bonanomi
Prof. Dr. Leandro Nogueira Pressinotti
Profª. Drª. Jacqueline Fontes
Profª. Drª. Débora Fernandes Calheiros
Profa Drª. Luciana Gomes Barbosa
Prof. Dr. Nathan Oliveira Barros
Cláudia Sala de Pinho
Prof. Dr. Alexandre Reis Percequillo
Prof. Dr. Flavio Rodrigues
Prof. Dr. Carlos Eduardo Grelle
Profª. Drª. Maria Alice dos Santos Alves
Profa Drª. Maria Elina Bichuette
Profª. Drª. Maria de Lourdes Ruivo
Profª. Drª. Catia Nunes Cunha
Prof. Dr. Jean Remy Davée Guimarães
Referências
Alho CJR, Camargo G & Fischer E. 2011. Terrestrial and aquatic mammals of the Pantanal. Brazilian Journal of Biology=Revista Brasileira de Biologia 71: 297-310.
Alho CJR, Mamede SB, Benites M, Andrade BS & Sepulveda JJO. 2019. Ameaças à biodiversidade do pantanal brasileiro pelo uso e ocupação da terra. Ambiente & Sociedade. 22: e01891.
Biller D & Souza M de. (2020). Wildfires sweep into Brazil park harboring jaguars. Acessado em 19 de setembro de 2020.
Freitas SR, Longo KM, Dias MAFS, Dias PLS. 2005. Emissões de queimadas em ecossistemas da América do Sul. Estudos avançados. 9(53):167-185.
Harris MB, Tomas W, Mourão G, Da Silva CJ, Guimaraes E, Sonoda F & Fachim E. (2005). Safeguarding the Pantanal wetlands: Threats and conservation initiatives. Conservation Biology 19(3): 714–720.
Instituto nacional de pesquisas espaciais (INPE). 2020. http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/situacao-atual/. Acessado em 19 de setembro de 2020.
Macedo HA, Stevaux FN, Bergier I. 2015. Methodology for analysis of distribution and classification of the intensity of dequada fish kill events in the Pantanal wetland. Geografia. 40: 163-176.
Rossetto OC & Brasil Junior, ACP. (2003). Cultura e desenvolvimento sustentável no pantanal mato-grossense: entre a tradição e a modernidade. Sociedade e Estado. 18(1-2): 155-175.
Shalders A. (2020). Queimadas no Pantanal: multas do Ibama despencam apesar de recorde de incêndios. Acessado em 19 de Setembro de 2020.
Schulz C, Whitney BS, Rossetto OC, Neves DM, Crabb L, de Oliveira EC, da Silva CA. 2019. Physical, ecological, and human dimensions of environmental change in Brazil’s Pantanal wetland: Synthesis and research agenda. Sci.Total Environ. 687,1011–1027.
SBPC